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Violência contra mulher: 'Todo agressor cria um personagem de ilusão', alerta escritora

Atualizado: 24 de out de 2021

Movimento “Defesa da Mulher,” que tem como idealizadora a jornalista Jô Ramos, atua orientando e ajudando quem sofre violência e nem sempre pode contar com o Poder Público.

Violência: é preciso denunciar. Imagem: Canva
Violência: é preciso denunciar. Imagem: Canva

Diariamente somos bombardeados com notícias de que uma mulher sofreu violência dentro de casa: foi violentada sexualmente ou foi agredida ou agredida e morta; ou foi assediada na rua ou no trabalho, entre outras importunações. Casos recentes envolvem tanto pessoas anônimas quanto artistas. Por exemplo, no Rio de Janeiro, Elaine Caparroz (55), que apanhou por horas no seu próprio apartamento por Vinícius Batista Serra (27), em 16 de fevereiro; e o caso da atriz Luiza Brunet (56) que teve o relacionamento de cinco anos interrompido com o empresário Lirio Parisotto depois de sofrer agressões que deixaram hematomas e costelas quebradas, fato que veio à tona em 2016.


De acordo com dados de pesquisa encomendada ao "Datafolha" pelo "Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP)" para avaliar o impacto da violência contra mulheres no Brasil, 1 milhão e 600 mil mulheres foram espancadas ou sofreram tentativa de estrangulamento nos últimos 12 meses. Outras 22 milhões sofreram assédio. Dados também afirmam que 42% das violências aconteceram dentro de casa.

O feminicídio

O Brasil ocupa o quinto lugar no ranking mundial do feminicídio, segundo o "Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH)"; de acordo com análise feita pela Fundação Getúlio Vargas no período de 2006 a 2017, o município do Rio de Janeiro se destacou: teve um total de 4.970 denúncias de violência contra a mulher.


Desde que foi promulgada em 2006, a "Lei 13.104", mais conhecida como "Lei Maria da Penha", aumentou continuamente o número de sentença em caso de assassinato de mulher por gênero. Em 2017 foram registrados 4.829 novos casos nos tribunais, quase o dobro do que no ano anterior, de acordo com levantamento do Ministério da Justiça.


O que é constatado é que a violência contra mulher ocorre, na maioria das vezes, dentro do lar e é praticada por parentes próximos à sua convivência como esposo/companheiro. Quando há um elo muito íntimo, envolvendo filhos, por exemplo, a dificuldade da mulher romper o relacionamento abusivo e até mesmo denunciar o agressor é muito grande. Há questões emocionais envolvidas.

Jornalista e escritora Jô Ramos. Foto: Acervo Pessoal
Jornalista e escritora Jô Ramos. Foto: Acervo Pessoal

Neste cenário desfavorável à mulher e com fatos tão alarmantes, muitas instituições foram criadas no intuito de frear tais estatísticas. Um bom exemplo é o movimento “Defesa da Mulher,” que tem como idealizadora a jornalista e escritora Jô Ramos. Ela conversou com o Portal WTB News, falou de seu projeto e o que a motivou a avançar na luta contra a violência. Confira:

A motivação em ajudar

"O grande número de mulheres estupradas e assassinadas em nosso país, além das estatísticas alarmantes sobre esses tipos de crimes me estimularam e muito a entrar nesta briga, contra tais crimes".


O objetivo do movimento "Defesa da Mulher"

"O 'Movimento Defesa/Direitos da Mulher' é um projeto que quer incluir todos e todas que lutem pelos Direitos da Mulher, o direito de viver suas vidas cotidianamente sem medo de violência ou intimidação. Que as mulheres possam constituir suas famílias dignamente, sem ameaça de doença, fome e pobreza. Que elas estejam aptas a procurar ajuda sem prejudicá-las e que elas obtenham-na. As mulheres querem e merecem ter uma posição de igualdade no mundo com os homens. Isto não é apenas um problema das mulheres, é um problema de todo mundo. Um mundo seguro para as mulheres é um mundo seguro para todos e todas. O movimento visa formar mulheres brasileiras com a intenção de desmistificar as leis, incluindo a Lei Maria da Penha e de capacitá-las para sua disseminação".

Sobre diversos encontros e palestras de assistência e orientação

"Nos diversos encontros que realizamos, geralmente, o perfil de mulheres que damos assistência e orientamos é aquele de pessoas lutadoras, mães solteiras, chefes de família que criam seus filhos sozinhas sem ajuda do homem. Constatamos em vários momentos e palestras que a violência é física, moral e verbal. Vale ressaltar que nós não somos ONG, nem temos apoio de nenhum órgão ou empresa. Oferecemos as informações legais para sua defesa".

Sobre a "Lei Maria da Penha"

"A 'Lei Maria da Penha' é a lei mais conhecida no Brasil; cerca de 90% da população conhece e sabe da sua existência; a grande dificuldade é treinar profissionais que façam aplicação desta lei de forma correta, sem preconceito e machismo. Importante dizer que apesar de existir uma lei como esta, ela ainda precisa ser ajustada em vários pontos, como por exemplo, o tempo de permanência do agressor na cadeia precisa ser aumentado. Outra coisa importante é que mesmo existindo esta lei os crimes só aumentam contra as mulheres. Os assassinatos nos últimos 10 anos cresceram 6,4% e as mulheres negras são as maiores vítimas".

Sobre os livros, inclusive o "Violência Contra Mulheres, Dê um Basta!"

"O 'Violência Contra Mulheres, Dê um Basta!' foi publicado em três idiomas: português, italiano e francês; e 'A Mulher e seus Direitos' em português. Esses livros foram lançados nos EUA, Canadá, Alemanha, Suécia, Suíça e Portugal. São uma tentativa de popularizar leis, decretos e documentos que reafirmam os direitos das mulheres. Escolhi este tema depois de muitas palestras realizadas por mim em várias comunidades do país e conferir que a desinformação sobre os direitos da mulher é total. A indiferença das autoridades em divulgar os direitos alcançados pelas mulheres chega ser indecente em um país onde a cada 2 horas uma mulher é assassinada. Abro este livro com a 'Carta das Mulheres' que considero o documento mais importante na luta pelos direitos da mulher no Congresso, redigida por mulheres de todo o país e organizada pelo 'Conselho Nacional dos Direitos da Mulher' criado em agosto de 1985".

Sobre a 'Carta das Mulheres Brasileiras aos Constituintes'

"A 'Carta das Mulheres Brasileiras aos Constituintes' foi entregue em 1987 ao deputado Ulisses Guimarães, presidente do Congresso Nacional. Nela estavam várias reivindicações do movimento feminista brasileiro e os mais expressivos eram: a proposta dos direitos para os trabalhadores domésticos, o aumento da licença maternidade para quatro meses, o direito das mulheres que se encontravam nas prisões poderem amamentar seus filhos, o direito à titularidade da terra para a mulher rural (independente do seu estado civil) e a denúncia da discriminação da mulher no mercado de trabalho. Muita coisa mudou durante os anos, mas ainda não temos o que festejar. Estamos em posições desconfortáveis perante a violência, o mercado de trabalho e os nossos direitos nem sempre respeitados. Ainda somos invisíveis para o Estado. Não há melhor frase para definir a luta pelos direitos dos indivíduos no mundo que “Direitos são adquiridos”. Não se ganha, luta-se para tê-los".

Na prática, o que fazer quando for agredida e/ou violentada?

"Deve-se procurar os órgãos competentes como a 'Delegacia das Mulheres' mais próxima, não há outra saída para este tipo de crime, tem que denunciar e se proteger como puder, porque o Estado pouco faz por esta mulher. Estamos longe de ter uma proteção efetiva para este tipo de crime; nossos órgãos atuam acanhadamente e vergonhosamente, ainda.

Como identificar um possível agressor?

"Estar atenta é fundamental, ninguém consegue segurar uma máscara por muito tempo. Todo agressor cria um personagem de ilusão para captar a vítima e temos que ficar atentas aos menores gestos, a crise de ciúmes, a tentativa de controle da nossa vida, se informar sobre o passado desta pessoa, tentando identificar falhas éticas, de caráter e morais. Todo agressor tem rastro. Se o agressor te der um grito é preciso levar em consideração, ficar atenta. No primeiro ato de violência, seja verbal ou moral, não devemos minimizar, a saída é se afastar definitivamente antes que o pior aconteça".

Sobre penas brandas aos agressores e um Estado que nada ou pouco faz

"As penas são brandas porque a maioria das leis foram criadas pelos homens que são a maioria no Congresso, no Senado e na Câmara. A primeira coisa a mudar é eleger mais mulheres que se identifiquem com a nossa luta e verdadeiramente nos represente e levem nossas pautas para a política. Não são todas que fazem isso, eleger mulheres é fundamental, mas, precisamos prestar atenção na plataforma delas. A pauta feminina não interessa a um Congresso machista, conservador e violento como o nosso. Um grande número de políticos são agressores e respondem a processos de violência contra mulheres; é importante para nós mulheres nos informarmos sobre cada candidato que temos a intenção de eleger e temos que ter em mente que só através de uma mobilização geral é que vamos conseguir mudar. O trabalho é intenso e não para. Direitos não são dados, mas sim, adquiridos".

 

*Edição de texto: Rodrigo Trindade

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